Contratos Empresariais

Covenants em contratos de financiamento: o que são e quais cuidados tomar

Victor Gonçalves | RS Adv.

em 24 de setembro de 2021

Covenants em contratos de financiamento: o que são e quais cuidados tomar

Empresas que firmam contratos de empréstimo de longo prazo com instituições financeiras devem estar atentas não somente ao pagamento das parcelas de amortização, mas também às cláusulas contratuais que trazem obrigações acessórias e que, caso descumpridas, podem trazer inúmeras consequências negativas ao devedor.

Estes pactos acessórios podem ser chamados de covenants (do inglês, o vocábulo significa convenção, pacto, cláusula de contrato), e têm como objetivo resguardar o credor caso ocorram certos eventos que não necessariamente implicam uma imediata inadimplência das parcelas por parte do devedor, mas que dizem respeito à sua situação financeira ou comercial e que podem vir a prejudicar o pagamento.

Exemplos destes eventos são: alteração no controle societário da empresa devedora, alienação de ativos que indiquem diminuição da sua capacidade financeira/mercadológica, decretação de falência ou pedido de recuperação judicial, restrição ao endividamento por parte do devedor, dentre outros.

O presente artigo se debruça sobre o instituto dos Covenants e busca trazer alguns elementos comuns aos contratos de estruturação de dívida financeira, de forma a alertar as empresas que tomam empréstimo acerca das precauções que devem tomar durante a execução contratual para que se evite qualquer inconveniente que venha a abalar a relação com o banco.

 

  1. Definição e Natureza Jurídica dos Covenants
  2. Exemplos de covenants na prática contratual brasileira
  3. Papel do compliance no cumprimento dos covenants

 

  1. Definição e Natureza Jurídica dos Covenants

Estas cláusulas podem ser definidas como obrigações acessórias (de fazer ou de não fazer) impostas a um devedor em um dado contrato que servem como uma forma de assegurar o cumprimento da obrigação principal, protegendo assim os interesses do credor.

Estas cláusulas desempenham duas importantes funções no processo de contratação da dívida: a redução dos conflitos de agência entre o tomador de empréstimo e o credor, visto que as restrições são pré-estabelecidas e trazem parâmetros objetivos a serem seguidos pelo devedor; e a redução da incerteza quanto à capacidade do devedor de pagar a dívida no futuro, função desempenhada principalmente pelos covenants contábeis.

Um estudo publicado na Revista Brasileira de Gestão de Negócios , o qual analisou uma série de debêntures emitidos por empresas brasileiras de capital aberto, chegou à conclusão de que a sua difusão na praxe financeira implica em uma tendência à facilitação na captação de investimentos para os empreendimentos.

Entretanto, ao analisar se a pactuação destas cláusulas diminui o custo total do contrato, uma vez que estas garantias acessórias dão maior segurança ao credor, observou-se que não necessariamente o valor a ser pago ao final (principal acrescido de juros) será menor. Isto porque se constatou que as empresas que captam empréstimos a juros mais elevados também são obrigadas a cumprir estas obrigações, as quais funcionam de forma complementar, e não substitutiva às taxas de juros fixadas.

Passa-se então à análise da natureza jurídica dos covenants.

Seriam uma espécie de garantia formal?

Não, pois não se classifica como uma das garantias reconhecidas no direito pátrio (reais ou fidejussórias), visto que o crédito não fica atrelado a um patrimônio existente ou futuro, ou pessoa específica que o cauciona, mas apenas traz consequências jurídicas práticas caso o devedor descumpra alguma das obrigações impostas. O objetivo principal da cláusula é a boa administração da sociedade devedora e a manutenção da integridade do seu patrimônio, visando a garantir a credibilidade do devedor perante a instituição financeira.

Tanto que, em regra, não há a exigência burocrática de registro da cláusula em cartório, diferentemente do que ocorre com as garantias mais tradicionais, como a hipoteca e o penhor. Nada impede, entretanto, que no mesmo contrato estejam presentes garantias reais ou pessoais além dos pactos acessórios firmados.

Uma das consequências mais comuns do descumprimento deste pacto que costuma constar das cédulas de crédito bancário é o vencimento antecipado da dívida, de forma que, uma vez verificadas pelo credor, dão-lhes o direito de cobrar o débito remanescente de uma só vez.

Seria correto, então, classificá-lo como uma cláusula de vencimento antecipado?

Não parece esta ser a solução jurídica adequada, já que outros resultados podem advir deste descumprimento, como a cobrança de um waiver fee (espécie de multa por meio da qual o credor perdoa o descumprimento) a ser pago pelo devedor para manter a continuidade da relação contratual nos termos anteriores, ou até mesmo pela imposição de limitações à administração da empresa, dentre outras.

Portanto, limitar este instituto ao vencimento antecipado da dívida nos parece restringir o gênero a uma de suas espécies, confundindo-os.

Seria então uma espécie de cláusula penal?

Álvaro Villaça de Azevedo define a cláusula penal como a “fixação contratual, por escrito, nos limites da lei, de uma pena, ou sanção, de natureza econômica, imposta a quem retardar ou descumprir determinada obrigação assumida.” [i]

Apesar de ambos os institutos necessitarem de acordo prévio entre as partes e poderem prever o pagamento de uma multa no caso de desrespeito da cláusula pelo devedor, os seus objetivos são distintos. O objetivo da cláusula penal (compensatória ou moratória), nos dizeres de Venosa, são dois: “de um lado, possui a finalidade de indenização prévia de perdas e danos, de outro, a de penalizar, punir o devedor moroso”[ii]. O covenant, diferentemente, almeja acompanhar os resultados financeiros e outros indicativos não contábeis da empresa, não sendo necessário que haja o descumprimento da obrigação principal.

A cláusula penal precifica previamente as perdas e danos decorrentes de um inadimplemento, enquanto o covenant pode possuir outros efeitos além do pagamento de multa, como o vencimento antecipado da dívida, ou a interferência na gestão da empresa.

Assim sendo, onde se inserem juridicamente os covenant?

A solução parece ser enquadrar-lhe genericamente como uma obrigação civil acessória, equiparando-se às obrigações de fazer e de não fazer, disciplinadas pelo Código Civil, visto que não se define como nenhum dos institutos anteriormente citados.

 

  1. Exemplos de covenants na prática contratual brasileira

Pode-se classificá-los em duas categorias distintas: os contábeis e os não contábeis.

Os contábeis são aqueles que dispõem algum tipo de limitação, positiva ou negativa, impondo restrições de cunho contábil aos administradores. Exemplos de restrições contábeis impostas em contratos de financiamento são:

  • manutenção do nível de endividamento da empresa em certo patamar
  • manutenção de capital de giro mínimo
  • proibição de realizar pagamento de dividendos que possa limitar a capacidade de investimento no projeto financiado
  • proibição de constituição de novas garantias contratuais em favor de terceiros
  • proibição da realização de operações que venham a alterar o estado econômico/financeiro do devedor ou dos avalistas, de forma que seja reduzida a capacidade de cumprimento das obrigações contratuais

Em alguns contratos, a proibição de endividamento em relação à receita da empresa (dívida líquida/EBITDA) será mais restritiva, enquanto em outros haverá maior folga para a empresa. Vários fatores são determinantes para a instituição credora determinar o nível de restrição das cláusulas, porém, destaca-se que os principais são o porte da empresa tomadora e o setor no qual atua.

 

 

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http://tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3913/5/MAURO%20DE%20FREITAS%20TORELLO.pdf

Se o empreendimento é de grande porte, a tendência é de que os covenants sejam menos restritivos, dado o afluxo financeiro mais previsível do tomador do empréstimo; com o de pequeno porte a lógica é invertida: uma vez existente grande imprevisibilidade quanto à capacidade de honrar a dívida, tende-se a impor maiores restrições ao devedor.

Já se o setor econômico em que atua o tomador é promissor e apresenta boas perspectivas, os investidores tendem a ver com bons olhos aquele projeto e prever uma maior receita, impondo restrições menores.

O ideal é que o contrato contenha estes indicadores contábeis bem definidos para determinar, por exemplo, a partir de que ponto a realização de uma operação comercial passa a afetar a capacidade econômico/financeira da empresa de pagar a dívida.

Isto porque, caso estes parâmetros não estejam bem definidos, a capacidade financeira do devedor ficará sujeita a uma avaliação subjetiva do agente financiador, o que pode dar ensejo a arbitrariedades e alegações de descumprimento quando na verdade a empresa ainda possui reserva de capital plenamente capaz de fazer frente à dívida.

É evidente, portanto, que uma limitação contábil que não esteja embasada em parâmetros objetivos fere o dever de transparência, o qual é subjacente à boa-fé contratual objetiva, dando cabimento à discussão judicial sobre sua aplicabilidade.

Por sua vez, a categoria dos não contábeis se utiliza de imposições não financeiras para balizar o comportamento da empresa durante o contrato, como deveres de transparência perante a Instituição Financeira. Alguns exemplos são:

  • Proibição de alteração da estrutura societária da empresa sem comunicação prévia ao credor
  • Proibição de mudança do objeto social da empresa
  • Proibição de aplicação do valor emprestado em outros projetos que não estejam no escopo do financiado
  • Necessidade de franquear ao credor livre acesso às instalações da empresa ou sistemas virtuais de dados para realização de inspeções técnicas, administrativas, financeiras e contábeis

Recentemente, alguns contratos têm previsto a necessidade de cumprimento de políticas de ESG (Environmental, social and corporate governance), que consistem na adoção de medidas para eliminar ou mitigar os impactos ambientais do empreendimento, bem como evitar, por parte dos gestores e de todos os funcionários, qualquer atitude que implique em preconceito de raça, cor, religião ou gênero.

 

  1. Papel do compliance no cumprimento dos covenants

 

Quando se fala em compliance na área contratual, deve-se ter em mente que este mapeamento e controle de riscos deve atuar em duas fases distintas: a pré-contratual e a contratual.

Na fase pré-contratual, devem-se analisar os riscos que as obrigações acessórias trazem à empresa: se inviabiliza o crescimento e a contratação de novos empréstimos, se impossibilita a venda de ativos, se impede a alteração societária etc. Estas cláusulas, uma vez estabelecidas, podem tornar extremamente oneroso o mútuo com a instituição financeira, de modo que não seja vantajosa a contratação.

Uma vez assinado o contrato, o sistema de compliance entra na fase contratual, devendo então mapear todas as obrigações acessórias dos financiamentos já tomados pela empresa e advertir os sócios e gestores das medidas que devem tomar ou evitar para não descumprir estes deveres.

Porém, este controle não pode ser feito maneira a estrangular a atividade empresarial desenvolvida, sendo importante que na análise de riscos seja analisado o impacto do descumprimento do covenant para a empresa. Algumas vezes, o retorno financeiro que a empresa terá com uma determinada operação compensa o vencimento antecipado da dívida ou a multa a ser paga, valendo a pena sofrer as consequências da quebra do pacto.

Nesta situação, aconselha-se procurar o agente financeiro para renegociar os termos contratuais e encontrar a melhor saída para ambas as partes, de forma que seja mantida a relação contratual.

Daí se percebe que o programa de compliance não deve levar em consideração somente se a empresa está ou não cumprindo as cláusulas contratuais. Deve-se ter uma visão holística e sistêmica do contexto em que o negócio está inserido, avaliando a estratégia comercial do empreendimento para se apresentar aos tomadores de decisão as melhores opções disponíveis.

Do que foi exposto, constata-se então a importância de estabelecimento deste programa e sua divulgação para todas as partes interessadas, para que se adequem às posturas necessárias à manutenção dos contratos de financiamento e, consequentemente, da saúde financeira da empresa.

 

Referências:

1 (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. Editora Saraiva, 2018. P. 207)

2 (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Obrigações e Responsabilidade Civil – Vol. 2. Grupo GEN, 2021. P. 333)

 

O duplo papel dos covenants contábeis na captação de dívida no Brasil – https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1806-48922020000100183&script=sci_arttext&tlng=pt#aff1

Qual o papel dos covenants contábeis no Brasil sob a perspectiva do banker? http://tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3913/5/MAURO%20DE%20FREITAS%20TORELLO.pdf

Covenants: instrumento de garantia em Project Finance https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/13823/1/RB%2011%20Covenants-instrumento%20de%20garantia%20em%20Project%20Finance_P_BD.pdf

Covenants em contratos de Financiamento de longo prazo: uma Perspectiva jurídica http://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2015/1/2015_01_1375_1393.pdf

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