Emenda Constitucional nº 132 de 2023.
em 14 de março de 2024
Entenda as alterações trazidas pela aprovação do Senado Federal da Proposta de Emenda à Constituição n° 45, de 2019 e conversão para Emenda Constitucional nº 132 de 2023.
Contexto de Tramitação
A Reforma Tributária é um assunto que está em discussão há mais de 30 anos no Brasil. Pela iniciativa do Deputado Baleia Rossi (MDB-SP), a Proposta de Emenda à Constituição n° 45 – PEC 45 foi apresentada em 03/04/2019, a qual teve o objetivo de reformular o sistema tributário brasileiro. Todavia, a votação da PEC 45 somente ganhou tração quatro anos após sua apresentação.
Em 07/07/2023, ocorreu a aprovação da Redação Final pelo Plenário, e, em 08/11/2023, o Senado Federal aprovou a proposta de emenda constitucional. Tendo em vista que o texto original foi alterado pelos senadores, a proposta foi remetida para a Câmera dos Deputados para a análise final.
Com um decisivo passo para a reformulação do sistema tributário do país, a Câmara dos Deputados, em 19/12/2023, encaminhou ofício de promulgação da PEC 45 para o presidente do Senado Federal e,
em 20/12/2023, ocorreu a conversão da PEC e promulgação solene da Emenda Constitucional nº 132 de 2023.
Objetivos e Fases de Implementação
De acordo com o Ministério da Fazenda, em cartilha da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, os objetivos da reformulação do sistema tributário do país se perfazem no crescimento sustentável da economia brasileira e fortalecimento da justiça, transparência e simplicidade do sistema de tributação nacional.
A fim de abordar todos os objetivos indicados, a reforma tributária será dividida em três fases de implementação:
- Reforma da tributação sobre o CONSUMO.
- Reforma da tributação sobre a RENDA e a FOLHA.
- Já a terceira fase, a qual será feita concomitantemente com as outras duas, se perfaz em ajustes na tributação sobre o PATRIMÔNIO.
Atualmente, a Emenda à Constituição nº 132/2023 foca principalmente na primeira fase, modificando o tratamento tributário relacionado ao consumo. No entanto, já existem diversos projetos de lei voltados para os outros temas citados como:
- Projeto de Lei 334/23 – Prorroga até 31 de dezembro de 2027 a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia. (Encontra-se na câmera dos Deputados)
- Projeto de Lei 2.337/2021 – Dispõe sobre a tributação da distribuição de lucros e dividendos. (Encontra-se no Senado Federal)
- Projeto de Lei Complementar 183/2019 – Instituição de Imposto sobre Grandes Fortunas (Encontra-se no Senado Federal)
Diante dos objetivos e contextos previamente expostos, serão apresentados os principais pontos de mudança trazidos pela EC 132/2023.
Principais Mudanças
1. Novos Princípios Tributários
A EC nº 132/2023 alterou o texto constitucional para incluir no Sistema Tributário Brasileiro os seis novos princípios listados abaixo:
- Simplicidade;
- Transparência;
- Justiça Tributária;
- Cooperação;
- Defesa do Meio Ambiente.
- Neutralidade (somente referente ao IBS e à CBS)
A inserção desses novos princípios foi uma resposta a diversas pontuações problemáticas ao longo dos anos no sistema tributário brasileiro bem como visou atender as novas iniciativas de sustentabilidade do país.
Ressalta-se que os princípios são fundamentos normativos que devem balizar os entendimentos do Judiciário, nesse sentido, a inserção provocará um impacto direto nas decisões envolvendo matéria tributária. Além de influenciarem as decisões judiciárias e administrativas, eles devem nortear também quaisquer outras alterações legislativas relativas à temática.
Portanto, a inserção comentada possibilita um aumento no contencioso tributário visto que pode ser usada como subsídio para questionamentos de normas, atos e decisões que não respeitem os novos princípios.
2. Criação da Contribuição e Imposto sobre bens e serviços (IBS e CBS)
A emenda também criou o Imposto sobre Bens e Consumo – IBS e a Contribuição sobre Bens e Consumo – CBS através da inclusão do art. 156-A e inciso V no artigo 195 da Constituição Federal, com objetivo de simplificar o sistema tributário nacional ao fazer a substituição de quatro tributos por dois.
Os novos tributos são marcados pelo paralelismo material, isto é, mesmos fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência, sujeitos passivos, imunidades, regimes específicos, salvo aqueles expressamente previstos na Constituição Federal, regras de não cumulatividade e de creditamento. Suas bases tributáveis abarcam todas as atividades econômicas como bens e serviços, tangíveis e intangíveis, inclusive a importação e economia digital, exceto exportação.
Ressalta-se que, de acordo com a alteração no texto do art. 124 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, ambos os tributos serão instituídos pela mesma lei complementar que deverá ser promulgada até 2026.
Ainda, de acordo com o art.9º da EC nº 132/2023, a lei complementar instituidora também definirá quais as operações serão beneficiadas com redução de 60% (sessenta por cento) e 100% (cem por cento) das alíquotas dos tributos IBS e CBS. Vale destacar que as operações devem ser necessariamente relativas aos bens e serviços indicados no parágrafo primeiro e terceiro do artigo citado.
Apesar das similaridades, o IBS e a CBS apresentam diferenças, sendo as principais indicadas a seguir:
- A primeira diferença entre o IBS e a CBS é relacionada aos impostos que serão substituídos. Enquanto o IBS substituirá o Imposto sobre Serviços – ISS e o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, a CBS substituirá as contribuições PIS e COFINS.
- Outro ponto de diferenciação é a competência tributária. Enquanto a CBS compete somente à União, o IBS possui competência compartilhada entre os Estados e Municípios, a partir da administração conjunta por um Conselho Federativo, de acordo com o Art.156-B da EC 132/2023.
- Também, as alíquotas do IBS e CBS serão diferentes em seus critérios de cálculo e gestão. Enquanto o IBS será cobrado a partir do somatório das alíquotas dos entes subnacionais de destino do bem ou serviço e a distribuição do produto da arrecadação do imposto será gerida pelo Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, não há essas estipulações para a CBS, sendo somente indicado que poderá ter alíquota fixada em lei ordinária e sua gestão será feita pela administração tributária da União.
Destaca-se que o IBS e a CBS compõem o Imposto sobre o Valor Agregado, também referenciado como IVA-Dual. O legislador agregou similaridades com impostos em outros países a exemplo do inglês Value Added Tax (VAT), do canadense Goods and Services Tax (GST), do argentino Impuesto al Valor Agregado (IVA).
O IVA é um imposto de caráter geral e indireto sobre consumo, que pretende tributar toda a cadeia econômica de produção e distribuição de bens e serviços, e que permite, a cada etapa, a dedução do imposto pago.
- É essa última característica que implica a neutralidade do IBS e CBS, sendo esses tributos não cumulativos, devendo ser compensados com o montante cobrado em todas as operações da cadeia exceto em aquisições voltadas para uso e consumo. Além disso, o IBS e a CBS não integram a própria base de cálculo e nem dos seguintes tributos: IS; PIS/COFINS e PIS/COFINS – Importação.
3. Criação do Imposto Seletivo
Em consonância ao novo princípio tributário da Defesa do Meio Ambiente, houve a criação do Imposto Seletivo – IS, o qual incide sobre “a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”, inclusive sobre derivados do petróleo, combustíveis e minerais do País, salvo as exportações e operações com energia elétrica e telecomunicações.
Importante destacar que, além do IS ser competente à União, os bens e serviços “prejudiciais à saúde e ao meio ambiente” serão definidos através de lei complementar.
Adicionalmente, sua incidência será única sobre o bem ou serviço e, da mesma forma do IBS e CBS, poderá ter os mesmos fatos geradores e bases de cálculo de outros tributos. Ainda, esse imposto não integrará as bases dos seguintes tributos: ICMS, ISS, IBS e CBS.
A alíquota do IS será estipulada por lei ordinária, podendo ser específica, por unidade de medida adotada, ou ad valorem. Em relação específica a operação de extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação, caso em que a alíquota máxima corresponderá a 1% (um por cento) do valor de mercado do produto.
4. Alteração de regras de tributos patrimoniais
A EC nº132/2023, com as mudanças nos artigos 153, 155 e 156 da CF, dispõe sobre alterações na tributação dos impostos sobre transmissão causa mortis e doação – ITCMD, propriedade de veículos automotores – IPVA e propriedade predial e territorial urbana – IPTU.
Acerca do ITCMD, é extinta a possibilidade de adotar alíquotas fixas pelos estados, devendo o imposto incidir com base em alíquotas progressivas em razão do valor do quinhão, legado ou doação. Também, a emenda assegurou a não incidência para transmissões e doações feitas para instituições sem fins lucrativos.
Adicionalmente, em relação as doações feitas envolvendo bens, doadores e donatários situados no exterior, é indicado no texto da emenda que, até que seja publicada lei complementar, o imposto será de competência do Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal, no caso de doador que tiver domicílio ou residência no exterior, do Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal, no caso do donatário tiver domicílio ou residir no exterior, e, relativamente aos bens do de cujus, ainda que situados no exterior, ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o sucessor ou legatário, ou ao Distrito Federal.
Em relação ao IPVA, este terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal, podendo ser diferenciadas em função do tipo, valor, utilização e do impacto ambiental. Ainda, houve uma expansão do rol de incidência do tributo, estendendo este também para os veículos automotores aquáticos e aéreos, salvo as exceções expressas na constituição.
Sobre o IPTU, foi estipulado que esse imposto terá sua base de cálculo atualizada pelo Poder Executivo, conforme critérios estabelecidos em lei municipal.
Regras de Transição
As regras de transição se referem ao período em que o antigo sistema fiscal deixa de existir e o novo passa a ser aplicado, incluindo elaboração e implementação das leis complementares e ordinárias necessárias.
A EC nº 132, ao fazer alteração no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT em seu art. 124, dispõe que a transição referente a implementação da CBS e do IBS respeitará o indicado nos arts. 125 a 133 do ADCT.
De acordo com a nova estipulação do ADCT, o período de transição terá duração de 10 anos e acontecerá da seguinte forma:
– 2024 a 2026: Período em que as leis complementares serão editadas.
– 2026: Alíquota única de teste de 1% composta por 0,9% para a CBS (abatidas dos atuais Pis e Cofins) e 0,1% para o IBS. De acordo com o artigo 125, parágrafo 4 da ADCT, entre 2026 e 2027, os contribuintes que cumprirem as obrigações acessórias relativas ao CBS e IBS poderão ser dispensados do seu recolhimento, nos termos da lei complementar.
– 2027: Extinção do IOF para Seguros, Pis e Cofins; IS entra em vigor; Alíquotas de IPI são zeradas, exceto produtos que impactam a Zona Franca de Manaus e não incidirá cumulativamente ao IS; IBS é cobrado à alíquota estadual e municipal, ambas de 0,05%; CBS é reduzida para 0,8% (alíquota de calibragem para garantir a manutenção da carga tributária vigente);
– 2029 a 2032: O ICMS e ISS têm suas alíquotas reduzidas gradativamente (diminuição de 10% ao ano) até a entrada definitiva e exclusiva do IBS. Benefícios e incentivos fiscais ou financeiros relativos aos impostos serão reduzidos na mesma proporção.
– 2033: Extinção do ICMS e ISS e conclusão da transição para o contribuinte.
O período de transição acima tem o objetivo de controlar o pagamento dos impostos e contribuições modificadas no período de coexistência dos tributos.
Em complementação, a fim de limitar a oneração do contribuinte, o art. 130 do ADCT regulamentou que o Senado Federal estabelecerá alíquotas de referência para o IBS e a CBS, observando os limites e cálculos previstos em lei complementar.
Por fim, destaca-se que a EC nº 132/2023, além de tratar dos assuntos abordados acima, também realizou outras alterações constitucionais como:
– A instituição por Estados de Contribuições sobre Produtos Primários e Semielaborados com extinção até 2043. (Art. 136, ADCT)
– O prazo até 2077 para regras de transição quanto a repartição de receitas (Art. 131, ADCT)
– As alterações sobre IPVA, IPTU, COSIP e imunidade sobre templos de qualquer culto.
Próximos Passos
Conforme indicado no corpo legislativo da EC em seu art. 18, o Poder executivo deverá encaminhar ao Congresso nacional até 180 (cento e oitenta) dias após a promulgação da EC 132/2023, os projetos de lei referidos em seu texto, tais como leis complementares para instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), regimes específicos e favorecidos e comitê gestor, lei ordinária para o Imposto Seletivo (IS). Ainda, em 90 dias, também deverão ser encaminhados projetos de lei que reformem a tributação sobre a renda e folha de salários.
Nesse contexto, os contribuintes deverão ter máxima atenção para as mudanças já implementadas a fim de não ter suas operações oneradas de forma incorreta ou perder novas oportunidades trazidas pela alteração do sistema tributário nacional.